segunda-feira, agosto 08, 2005

Isto é a História

Da mesma forma que a floresta virgem se esforça por encaminhar para as alturas uma massa cada vez mais importante, retirando as energias para o seu crescimento da sua própria decadência, das partes de si mesma que apodrecem e se corrompem em solos lodosos, também cada nova geração da humanidade sai do fundo que acumula a decomposição de inúmeras linhagens que aí repousam da ronda da vida. É claro que, terminada essa sua dança, os corpos destes mortos são reduzidos a nada, varridos para as areias fugazes, ou apodrecendo nos leitos dos mares. Mas as suas partes, os seus átomos, são arrastados de novo pela vida, eternamente jovem e vitoriosa, para mutações incessantes, e exaltados como agentes intemporais da força vital.

De modo que o próprio conteúdo da existência, qualquer pensamente, qualquer acto e qualquer sentimento, tudo o que fez mover esta interminável procissão de antepassados pelos campos da visa, conserva valor eterno. Da mesma forma que o homem se constrói sobre o animal e as suas contingências, também ele se enraíza em tudo o que os seus pais criaram ao longo do tempo, com os punhos, o cérebro, o coração. As suas gerações assemelham-se aos estratos de uma formação coralífera; o menor fragmento não é pensável sem os outros em número infinito, há muito extintos, e nos quais se funda. o homem é o portador, o vaso em permanente metamorfose, que contém tudo o que de facto foi feito, pensado e sentido. É também o herdeiro de qualquer desejo que , antes dele, impeliu outros para objectivos envoltos ao longe na bruma.

Os homens continuam a trabalhar no levantamento de uma torre de altura incomensurável feita das suas gerações, dos estdos do seu ser amontoados um sobre o outro, com o sangue, o desejo e a agonia.

É certo que a torre se eleva a alturas cada vez mais abruptas, as suas ameias alçam o homem à dignidade de vencedor supremo, o olhar farta-se de terras cada vez mais vastas e mais ricas, mas a edificação nem por isso é mais regular e tranquila. A obra está muitas vezes ameaçada, paredes desmoronam-se ou são derrubadas por néscios, desalentados ou desesperados. As repercussões de estados e coisas que se julgavam à muito ultrapassados, as erupções das forças elementares, que burbulham em cachão sob a crosta endurecida, revelam poderosa vitalidade de energias imemoriais.

in A Guerra como Experiência Interior
Ernst junger

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